Marcelo Crivella (PRB), Alexandre Kalil (PHS) e Rafael Greca (PMN): cláusula de barreira pode acabar com partidos dos prefeitos eleitos do Rio, BH e Curitiba – Agência O Globo |
A adoção da cláusula de barreira é tema da proposta de emenda constitucional (PEC) 36/2016, aprovada em setembro na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. O texto que tramita no Congresso usa como metodologia de cálculo a eleição para deputado federal em 2014, quando houve 7.137 candidatos. O GLOBO analisou o desempenho dos partidos nas eleições para prefeito deste ano, quando 16.953 políticos se candidataram.
Segundo a PEC, para superar a cláusula de barreira, os partidos precisam atingir 2% dos votos válidos em todo o território nacional, além de obter 2% dos votos válidos em, pelo menos, 14 unidades da Federação. O cumprimento de apenas um desses requisitos não é suficiente para que o partido ultrapasse a cláusula de barreira.
O resultado das urnas mostra que seis partidos vitoriosos em capitais não obteriam votos para superar a cláusula debatida no Senado. Além do PRB, que elegeu Marcelo Crivella no Rio, e do PPS, com Luciano Rezende em Vitória, estão nessa situação o PHS, de Alexandre Kalil, em Belo Horizonte; o PMN, de Rafael Greca, em Curitiba; o PCdoB, de Edvaldo Nogueira, em Aracaju; e a Rede, de Clécio Luís, em Macapá.
O padrão se repete nas grandes cidades — os 92 municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes. Ao todo, contando as capitais, 12 das 21 legendas que venceram o pleito não atingiram os 2% dos votos válidos no país e nas unidades da Federação.
— Estas eleições municipais mostraram que a fragmentação das Casas legislativas vem se repetindo nos Executivos municipais. Sem a cláusula de barreira, essa fragmentação partidária transborda do Legislativo para o Executivo. Por outro lado, se os partidos começarem a perder espaço nas eleições proporcionais, a tendência é que, por tabela, eles percam espaço no cenário político como um todo — afirma o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio.
ESQUERDA SOFRERIA COM CLÁUSULA
Ao considerar o grupo de nove partidos que cumpririam os dois critérios da cláusula de barreira, somente uma está no grupo associado ao campo da esquerda e que faz oposição aberta ao governo de Michel Temer no Congresso: o PT, da ex-presidente Dilma Rousseff. O PSOL, que disputou o segundo turno em duas capitais (Belém e Rio de Janeiro), sem eleger prefeitos, não obteve a marca de 2% dos votos válidos em 14 estados. Rede e PCdoB sequer conseguiram superar o piso na votação nacional.
— A cláusula de barreira atingiria não só os partidos de aluguel, mas também aqueles que se propuseram a fazer uma “nova esquerda”, como Rede e PSOL. O caminho, para eles, seria realizar uma fusão entre si ou com o PT. Mas será que eles vão querer voltar justamente para o partido de onde seus fundadores saíram? O próprio PT, embora tenha uma bancada grande na Câmara, pode ser contrário à cláusula de desempenho. O partido podia ser favorável quando estava crescendo, mas hoje é uma legenda desgastada e que tem projeção de perder boa parte das cadeiras no Congresso em 2018 — lembra Ismael.
DISCURSO DA NÃO POLÍTICA
O cientista político Paulo Baía, da UFRJ, afirma que o desencanto com a classe política observado nas urnas — expresso tanto no número elevado de abstenções quanto pela eleição de candidatos com o discurso da não política, como João Doria (PSDB) em São Paulo — é um fator que pode impulsionar uma resposta favorável à cláusula de desempenho no Congresso.
— A proposta ganha força diante da fragmentação que vimos nas urnas — diz Baía. — Já houve movimentos de partidos, no passado, para impedir a implementação desta cláusula. Mas acredito que o Congresso, neste momento, pense a questão da governabilidade de forma diferente. É evidente que há legendas contrárias à barreira, mas existe uma maioria que pode instituí-la. É uma questão de coragem política, porque argumentos eles já têm.
— A reforma política vai depender da Câmara, mas a Câmara repercute demandas dos estados e dos municípios. Um deputado federal tem alianças com governador, prefeitos, deputado estadual, vereador. Então, ele tem que expressar as conveniências de seu grupo político. E muitas vezes,no plano local, há interesses de ter essa fragmentação partidária. Em Niterói, por exemplo, o prefeito fez toda a carreira no PT, mas observou que, se fosse candidato pelo partido, perderia. Foi para um partido menor, o PV, e se elegeu — analisa o cientista político Eurico Figueiredo, da UFF.