Longe das câmeras e mais à vontade, Bolsonaro teve que lidar com o aumento do número de pedidos, transformando o palácio em balcão de atendimento
Se você tem um problema, por que não tentar uma solução junto à pessoa mais importante do país? Essa é a lógica de alguns dos apoiadores que diariamente se dirigem ao portão do Palácio da Alvorada para levar um pedido ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Desde que deixou de falar com jornalistas, diante do desgaste de sua situação política, no início de junho, Bolsonaro levou os apoiadores para a área interna da residência oficial. Inicialmente, a claque o aguardava de forma improvisada, mas, depois, o governo organizou um cercadinho com grades e toldo no jardim.
A maior parte dos veículos de imprensa, incluindo a Folha de S.Paulo, já havia deixado de fazer a cobertura da portaria do Alvorada por falta de segurança diante da hostilidade de alguns fãs do presidente.
Longe das câmeras e mais à vontade, Bolsonaro teve que lidar com o aumento do número de pedidos, transformando o palácio em balcão de atendimento. Os episódios, que geralmente contam com a impaciência do presidente, são publicados nas redes sociais pelo próprio governo ou pelos simpatizantes.
“Aqui não é um local de entrega de material, documentos, cartas para o presidente. Para isso existe o protocolo da Presidência da República”, explicou um agente de segurança ao público na terça-feira (28), antes da chegada do presidente.
Nesse mesmo dia, um senhor tentou mostrar algo a Bolsonaro no celular e pediu um horário com o presidente.
“Não estou marcando com minha esposa, pô”, reagiu o chefe do Executivo antes de entrar no carro.
“Infelizmente ele não deu muita atenção”, lamentou o senhor em um vídeo que está na internet.
No dia anterior, o primeiro depois de 20 dias confinado em casa por causa de seu diagnóstico positivo para Covid-19, o presidente demonstrou impaciência com os pedidos ao longo dos quatro minutos que ficou com os apoiadores, entre fotos e acenos.
“Eu vou encaminhar para alguém esta carta. Não sou eu que vou ler não. Chegam dezenas de cartas todos os dias”, reagiu a um apoiador.
Logo em seguida, pediu a outro simpatizante que fosse “o mais objetivo possível” em sua queixa sobre o programa do governo para auxílio a micro e pequenas empresas.
Desta vez, Bolsonaro prometeu discutir o assunto com o ministro da Economia, Paulo Guedes, naquele mesmo dia.
“Se todo mundo que vier aqui quiser falar comigo, vou botar um escritório, botar uma escrivaninha aqui e atender todo mundo”, disse Bolsonaro a outro homem que afirmava saber como acabar com o desemprego.
Na semana anterior, mesmo cumprindo isolamento no Alvorada com o novo coronavírus, Bolsonaro ia até o espelho d’água em frente ao palácio para falar com seus seguidores no fim de tarde.
Uma mulher pediu ajuda para resolver uma questão envolvendo uma casa lotérica que ela tem com o ex-marido. Ouviu uma negativa do presidente, que alegou se tratar de caso particular.
No dia seguinte, a mulher voltou ao Alvorada. “Eu mandei já três emails para o senhor”, disse ela.
“Não vou ler nenhum. Eu não leio email. Se eu ler email, eu não trabalho”, retrucou o presidente.Em junho também houve uma sucessão de episódios em que o desconforto presidencial ficou evidente.
No dia 23 daquele mês, por exemplo, um imigrante venezuelano pede para apresentar um projeto a Bolsonaro, que recomendou que ele procurasse conversar com alguém do Ministério das Relações Exteriores, mas não com o ministro Ernesto Araújo. O homem insistiu com o presidente.
“Tem que chegar por lá. Eu não tenho tempo de ler, chefe. Eu chego em casa, trabalho até 21h. Não tenho condições. Eu paro aqui em consideração a vocês. Se eu começar a pegar problema aqui, eu não trabalho.”
Dois dias depois, ainda mais pedidos: uma mulher que queria ajuda para conseguir um medicamento em um hospital do Distrito Federal para o avô com câncer, um homem que desejava incentivo para o desenvolvimento do agronegócio no Pará e uma militar que almejava ver seu licenciamento revogado.
“Se eu for atender individualmente, atendo agora, aí começa a fazer fila, e vai ser uma romaria aqui, e eu não tenho como trabalhar”, disse Bolsonaro em uma das cinco vezes que teve que tentar rejeitar pedidos naquele dia.
Mas nem todo mundo sai do Alvorada sem a demanda atendida pelo presidente.
Em maio, Bolsonaro disse que, devido a um artigo que congela concursos públicos, postergou a sanção do projeto de socorro financeiro aos estados e municípios por causa da crise causada pelo novo coronavírus.
“Não sancionei o projeto, ontem [21 de maio], do auxílio dos governadores porque tem uma cláusula lá sobre congelamento de concurso”, disse Bolsonaro a um grupo de pessoas aprovadas no concurso da Polícia Rodoviária Federal em 2018, mas que não foram convocadas.
“Se tivesse assinado, vocês iam ter complicação”, afirmou o presidente em 22 de maio.Aquela não era a primeira vez que o grupo de excedentes do concurso da PRF ia ao Alvorada pedir uma solução para Bolsonaro. O presidente já havia orientado que fossem até o Palácio do Planalto conversar com o ministro Jorge Oliveira, da Secretaria-Geral. O lobby presidencial deu certo, e os concursados foram atendidos.
Bolsonaro criou o hábito diário de parar na porta do Palácio da Alvorada para falar com jornalistas e apoiadores.
Com o agravamento da crise política e sanitária, o presidente deu ouvidos a conselheiros que recomendaram que parasse de dar entrevistas à imprensa diariamente para minimizar a deterioração dele e do governo.
O presidente, então, passou a falar apenas com seus apoiadores, mas até isso é alvo de crítica velada de auxiliares.
Um assessor palaciano diz acreditar que o presidente deveria suspender a interação permanente com seus apoiadores, pois entende que, além de o número de frequentadores do Palácio da Alvorada ter diminuído, a apresentação de demandas pessoais se tornou uma rotina de desgaste.
Esse auxiliar afirma que Bolsonaro deveria se restringir às rápidas aparições que ele faz de surpresa nos fins de semana em localidades de Brasília ou de cidades próximas.
Outra oportunidade que o assessor julga mais tranquila para o presidente é durante as viagens pelo país, que agora pretende fazer semanalmente.