Decisão vem após onda de fake news e repercussão negativa; governo irá editar MP para garantir que sistema de pagamentos não será taxado
O governo federal recuou e decidiu revogar a norma da Receita Federal sobre monitoramento das movimentações financeiras, incluindo o Pix e outros meios como cartão de crédito, após repercussão negativa e uma onda de fake news. A informação foi confirmada pelo secretário da Receita Federal, Robison Barreirinhas. As declarações foram feitas após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, na tarde desta quarta-feira.
A Receita passou a receber dados transações das operadoras de cartão de crédito (carteiras digitais) e das fintechs para movimentações acumuladas acima de R$ 5 ml por mês para pessoas físicas. Isso vale tanto para o Pix como para outras formas de transferência de recursos. Antes, apenas bancos tradicionais eram obrigados a informar os dados (leia mais abaixo).
Além das fake news, golpistas aproveitaram o momento para tentar tirar dinheiro de quem usa o Pix. O governo federal já anunciou que pretende acionar a Justiça contra esses criminosos.
Governo editará MP
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o governo irá editar uma medida provisória (MP) para garantir que o Pix não será taxado.
— A MP equipara pagamento com PIX a pagamento em dinheiro — disse o ministro. — Lula está para assinar uma MP para reforçar gratuidade e sigilo do Pix.
Haddad disse que a MP vedará cobrança de valor diferente entre dinheiro vivo e Pix.
— Nós não queremos contaminação de fake news para discutir o que está na lei. Quer discutir o texto de lei, vamos discutir. Mas inventar pretexto para querer mais uma vez manipular a opinião pública e deixar dúvida no ar enquanto tramita a medida provisória — disseo ministro da Fazenda. — O estrago está feito por esses inescrupulosos, inclusive senador e deputado federal agindo contra o estado brasileiro.
O ministro disse que a revogação da norma foi feita para “evitar distorção”.
O ministro da Fazenda disse que existe uma lei de 2001 que garante à Receita Federal e às eceitas estaduais uma série d einformações.
Blindar o Pix, diz AGU
— Mas a IN (instrução normativa) para não dar força às fake news sai de cena para reforçar a gratuidade e o sigilo do Pix — disse Haddad. — Vamos dialogar com os governos estaduais para ter um regramento que atenda o país, não a esse ou aquele governo”.
O advogado-geral da União, Jorge Messias, acrescentou que o objetivo da MP é “blindar o Pix de mentiras”:
— Em razão desses crimes e golpes, determinamos que a AGU ainda hoje notifique a PF para a abertura de inquérito. Para investigar os autores da desordem da informação. É crime contra a economia popular. Estamos notificando também a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor.
Haddad fala em diálogo
O ministro da Fazenda disse que irá dialogar para chegar a um “denominador comum” sobre o tema por meio da medida provisória (MP). Para Haddad, isso precisa ser um projeto de Estado, e não de um governo.
Haddad lembrou que, desde 2001, tem um regramento sobre as operações e que as chamadas fintechs fornecem as informações voluntariamente. Essas empresas, segundo Haddad, pediram para estar dentro do guarda-chuva institucional da Receita e vão continuar fornecendo os dados.
“Se queremos combater o crime, precisamos informações. No mundo inteiro, se combate o crime com inteligência — disse o ministro. — A medida foi feita em colaboração com as fintechs. Nenhuma empresa séria quer contribuir com o crime organizado”.
O que dizia a norma
Toda a polêmica surgiu após a forte repercussão da norma da Receita Federal que ampliou a fiscalização sobre as movimentações financeiras de consumidores e empresas. Há um temor disseminado na população de que as garras do leão alcancem mais pessoas e empresas, principalmente aquelas que atuam como autônomos e informais. A Receita nega que o objetivo seja pegar os pequenos.
O órgão passou a exigir das chamadas fintechs algo que já era cobrado dos bancos tradicionais: notificar movimentações globais a partir de um determinado valor.
Movimentações acima de R$ 5 mil para pessoas físicas em Pix ou em outras transações financeiras, como TED e cartão de débito serão informadas à Receita.
A diferença é que agora instituições de pagamento, como fintechs, também deverão prestar essas informações. Como nos últimos anos, elas conquistaram fatia relevante do mercado, isso aumenta a abrangência de operações às quais a Receita terá acesso.
O órgão garante, porém, que a coleta de informações é direcionada ao combate de operações suspeitas, de grandes sonegadores, não ao monitoramento de trabalhadores informais ou pequenos empreendedores.
No caso dos clientes dos bancos tradicionais, que já tinham movimentações informadas, o limite foi alterado de R$ 2 mil para R$ 5 mil, que será o valor uniforme para todas as instituições financeiras. No caso de pessoa jurídica, o patamar foi elevado de R$ 5 mil para R$ 15 mil.
A Receita só recebe os valores totais movimentados mensalmente e proíbe que sejam informados detalhes de transações, como origem ou destino dos pagamentos.
Vídeo de deputado pressionou governo
Em vídeo que ultrapassou 100 milhões de visualizações no Instagram, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) sugere que o aumento da fiscalização das transações poderia representar no futuro a taxação das movimentações via Pix.
“O governo Lula vai monitorar seus gastos. E o Pix não será taxado, mas é sempre bom lembrar… A comprinha da China não seria taxada, mas foi. Não ia ter sigilo, mas teve. Você ia ser isento do imposto de renda, não vai. O Pix não será taxado, mas não duvido que possa sim. Quem mais será afetado por esta medida serão os trabalhadores, que serão monitorados como se fossem grandes sonegadores”, diz Nikolas no vídeo.
O impacto do vídeo provocou preocupação no Palácio do Planalto e motivou a convocação de uma reunião com ministros e outros integrantes do governo para debater o assunto. O presidente Lula mudou a chefia da Comunicação Social e escalou o publicitário Sidônio Pereira justamente por avaliar que a gestão petista vem perdendo a batalha nas redes sociais para a oposição.