Foi a primeira vez que um longa de língua não inglesa, exibido nos Estados Unidos com legendas, venceu a maior categoria do Oscar.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “O Oscar não é um festival internacional de cinema, é muito local”, afirmou o diretor sul-coreano Bong Joon-ho numa entrevista à revista Vulture no ano passado, muito antes de seu “Parasita”, sobre o abismo entre duas famílisa de classes sociais distintas, figurar nas listas das maiores premiações da temporada.
O resultado da cerimônia que aconteceu neste domingo (9), no Dolby Theater, em Los Angeles, pode ter mudado essa percepção. “Parasita”, primeiro longa sul-coreano a chegar na premiação americana, rendeu a Joon-ho não só o prêmio de melhor diretor, como a láurea mais importante da noite, de melhor filme.
Foi a primeira vez que um longa de língua não inglesa, exibido nos Estados Unidos com legendas, venceu a maior categoria do Oscar.
Joon-ho foi diplomático ao receber os troféus. Em seu discurso de agradecimento pela estatueta de melhor diretor, Joon-ho homenageou seus adversários, propondo à Academia de Artes e Ciência de Hollywood serrar em cinco o troféu para compartilhá-lo com os outros concorrentes, uma lista que incluía Martin Scorsese e Quentin Tarantino.
Antes, ao aceitar ainda outro prêmio, de filme internacional, acenou à tentativa da Academia de acolher novas vozes.
Não foram as únicas estatuetas de “Parasita”, aliás. Indicado em seis categorias, o filme venceu quatro delas -a outra foi de roteiro original.
A cerimônia começou certa voltagem política, com duras críticas a uma premiação mais uma vez majoritariamente branca -a única exceção foi Cynthia Erivo, indicada a atriz coadjuvante por “Harriet”- e masculina.
A cantora Janelle Monáe ganhou uma salva de palmas ao citar as diretoras mulheres no show que abriu a cerimônia. Chris Rock e Steve Martin fizeram piadas com o racismo e com a “falta de vaginas” da edição.
Mais tarde, Brad Pitt fez referência ao processo de impeachment de Trump no Senado americano no seu discurso de agradecimento. A islandesa Hildur Guðnadóttir, laureada pela trilha sonora de “Coringa”, clamou as mulheres a se fazerem ouvir. E Joaquin Phoenix falou da exploração dos animais pela indústria alimentícia ao ser anunciado melhor ator por seu “Coringa”.
Mas as críticas ficaram restritas ao palco em grande parte da cerimônia, numa edição de muitas vitórias previsíveis.
Além de Phoenix, Renée Zellwegger, Brad Pitt e Laura Dern repetiram suas performances em outros prêmios da temporada e ganharam troféus por, respectivamente, “Judy”, “Era uma Vez em… Hollywood” e “História de um Casamento”, nas categorias de atriz, ator coadjuvante e atriz coadjuvante.
O diretor de fotografia Roger Deakins foi premiado pelo feito técnico de “1917”, em que simula um único plano sequência. “O Escândalo” venceu melhor maquiagem e cabelo, em grande parte graças à transformação de Charlize Theron na jornalista Megyn Kelly, âncora da Fox News.
E “Indústria Americana”, sobre os choques entre as culturas americana e chinesa numa fábrica em Ohio, venceu melhor documentário.
A escolha pode ser encarada como um recado de Hollywood para a administração de Donald Trump, já que o longa foi produzido pela Higher Ground, empresa fundada por Barack e Michelle Obama.
Com isso, o brasileiro “Democracia em Vertigem”, que recapitula os conturbados últimos anos da política nacional a partir da perspectiva de sua diretora, Petra Costa, saiu derrotado.
A documentarista e a equipe aproveitaram, no entanto, para levar ao tapete vermelho cartazes em que protestavam contra o desmatamento da Amazônia, o assassinato da vereadora do PSOL Marielle Franco há dois anos, e o genocídio indígena -a ativista Sônia Guajajara, que já tinha aparecido ao lado de Costa no almoço dos indicados ao Oscar, também estava lá.
Além de Greta Gerwig, esquecida desde a sua exclusão da categoria de melhor diretor por “Adoráveis Mulheres”, um dos grandes perdedores da noite foi Martin Scorsese, cujo “O Irlandês” saiu de mãos abanando depois de ser indicado em dez categorias -a mesma quantidade de “1917” e de “Era uma Vez em… Hollywood”, e atrás apenas de “Coringa”, que teve onze nomeações.
E, é claro, a Netflix, que tinha, além de “O Irlandês”, “História de um Casamento” na disputa. O filme escrito e dirigido por Noah Baumbach acompanha o traumático divórcio entre uma atriz, interpretada por Scarlett Johansson, e um diretor teatral, vivido por Adam Driver. Saiu com apenas um prêmio, para Dern.
No sábado (8), numa coletiva depois do Spirit Awards, Joon-Ho foi questionado por uma jornalista sobre ganhar o primeiro Oscar para a Coreia do Sul. “Depois de amanhã, finalmente vou poder ir para casa. É o que me deixa mais feliz”, respondeu. Mal sabia que levaria quatro estatuetas inéditas para o seu país natal.*Conheça os vencedores do Oscar 2020
Filme: ‘Parasita’, de Bong Joon-ho
Direção: Bong Joon-ho, por ‘Parasita’
Atriz: Renée Zellweger, por ‘Judy’
Ator: Joaquin Phoenix, por ‘Coringa’
Filme internacional: ‘Parasita’, de Bong Joon-ho (Coreia do Sul)
Documentário: ‘Indústria Americana’, de Steven Bognar, Julia Reichert e Jeff Reichert
Animação: ‘Toy Story 4’, de Josh Cooley, Mark Nielsen e Jonas Rivera
Atriz coadjuvante: Laura Dern, por ‘História de um Casamento’
Ator coadjuvante: Brad Pitt, por ‘Era uma Vez em… Hollywood’
Roteiro original: ‘Parasita’
Roteiro adaptado: ‘Jojo Rabbit’
Direção de fotografia: ‘1917’
Direção de arte: ‘Era uma Vez em… Hollywood’
Montagem: ‘Ford vs. Ferrari’
Edição de som: ‘Ford vs. Ferrari’
Mixagem de som: ‘1917’
Efeitos visuais: ‘1917’
Trilha sonora: ‘Coringa’
Canção original: ‘I’m Gonna Love Me Again’, de Elton John e Bernie Taupin (‘Rocketman’)
Figurino: ‘Adoráveis Mulheres’
Cabelo e maquiagem: ‘O Escândalo’
Curta-metragem: ‘The Neighbors’ Window’, de Marshall Curry
Curta-metragem documental: ‘Learning to Skateboard in a Warzone (If You’re a Girl)’, de Carol Dysinger e Elena Andreicheva
Curta de animação: ‘Hair Love’, de Matthew A. Cherry e Karen Rupert Toliver