Influenciado pelo filho Flávio e por aliados, Bolsonaro adaptou seu discurso para evitar perda de apoio de empresários
A recente repaginação do discurso de Jair Bolsonaro e a adoção de uma retórica pró-vacina tiveram como um de seus principais idealizadores o filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e foi motivada, entre outros pontos, pelo temor de uma perda de apoio empresarial ao governo.
Bolsonaro vem recebendo nas últimas semanas conselhos de que é preciso se livrar da imagem de negacionista da pandemia, que já passou de 2.000 mortos por dia, e dar uma guinada em defesa da ampla imunização contra o coronavírus.
O diagnóstico -também feito pelo ministro Fábio Farias (Comunicações) e pelo novo chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), almirante Flávio Rocha- foi reforçado diante da inesperada reabilitação dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), potencial nome para disputar as eleições de 2022 contra Bolsonaro.
Auxiliares do presidente ressalvam, porém, que há limites para a mudança de retórica de Bolsonaro -e que ela não atinge as críticas ao isolamento social e às políticas adotadas por governadores.
Exemplo claro foi a live do presidente na noite desta quinta-feira (11). Por mais de uma hora, ele atacou governadores e o ex-presidente Lula entre mentiras e menções às Forças Armadas.
Os danos que os recordes de mortes causadas pela Covid-19 e a falta de vacinas geram na popularidade do governo Bolsonaro foram apresentados ao presidente na semana passada. O diagnóstico foi aferido por uma pesquisa promovida por uma instituição financeira.
O levantamento, levado ao Palácio do Planalto, mostra que a proporção de pessoas que consideram a gestão federal ótima e boa sofreu um abalo no início de março. Além disso, o bunker digital da Presidência identificou queda no número de postagens em defesa do governo nas redes sociais.
Em paralelo, Flávio Bolsonaro fez chegar ao presidente uma preocupação específica colhida entre empresários e investidores: a de que os sucessivos atrasos na campanha de vacinação podem contratar um 2022 novamente agonizante para a economia brasileira.
O recado é que só uma imunização em massa permitirá o amplo retorno da atividade econômica.
Os ataques ao isolamento social e às políticas adotadas por governadores contra a Covid-19, no entanto, prosseguem, inclusive com a alegação dos impactos na economia.
Nesta quinta, Bolsonaro fez ataques a medidas de restrição definidas por Ibaneis Rocha (MDB-DF) e de João Doria (PSDB-SP) e disse que “lockdown não é remédio”.
“Até quando nossa economia vai resistir? Que se colapsar, vai ser uma desgraça. Que que poderemos ter brevemente? Invasão a supermercado, fogo em ônibus, greves, piquetes, paralisações. Onde vamos chegar?”
Mais tarde, em sua live semanal, mentiu ao dizer que nunca se referiu à Covid-19 como uma “gripezinha” -já utilizou a expressão ao menos duas vezes em março de 2020– e afirmou que nunca foi contra vacina –apesar de seguidas declarações de desestímulo à imunização.
Bolsonaro também chamou Lula de “jumento” e “canista”.
O risco de um ano eleitoral em 2022 sem sinais de reação da atividade econômica já era considerado um problema por assessores antes mesmo da decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), que na segunda-feira (8) anulou as sentenças de Lula e assim o liberou para a eleição de 2022.
A possível participação do petista no pleito fez o governo acelerar a tentativa de metamorfose de imagem, uma vez que ele é considerado o mais competitivo entre os adversários de Bolsonaro.
Mesmo líderes do centrão próximos ao Planalto e que apostam numa vitória de Bolsonaro em 2022 opinam que Lula representa um oponente de maior porte do que os nomes que até então eram ventilados.
“Só Lula pode vencer Bolsonaro e só Bolsonaro pode vencer Lula”, diz o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP).
O primeiro discurso de Lula após a decisão judicial, feito na quarta (10) em São Bernardo do Campo, também pesou na avaliação do Planalto de que é preciso estar atento ao empresariado.
O petista fez acenos ao setor produtivo e defendeu a vacinação. Lula lembrou que não é um estranho do mercado financeiro, pediu que não tenham medo dele e pregou um crescimento econômico que ajude as empresas do país.
A informação que chegou ao Palácio do Planalto foi a de que a fala de Lula -normalmente tratado com desconfiança pelo mercado- foi bem-vista por empresários e investidores.
Além disso, o governo sofreu recentemente um abalo na confiança do mercado após a interferência na Petrobras, quando o presidente determinou a troca no comando da empresa por discordar da política de preços dos combustíveis.
Para amarrar o apoio de empresário e investidores, Bolsonaro decidiu retomar o contato com o setor produtivo por meio de encontros periódicos.
Segundo aliados no governo, as reuniões devem ser organizadas pelo presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf. Na terça (9), dia seguinte à decisão de Fachin, Bolsonaro e Skaf se reuniram em audiência no Palácio do Planalto.
A ideia é tanto que o presidente se desloque a São Paulo para encontros com o setor empresarial como realize almoços no Palácio da Alvorada para representantes da indústria, da agropecuária e do comércio.
Nas conversas com o PIB, Bolsonaro pretende utilizar a PEC Emergencial, aprovada nesta quinta (11) em segundo turno, como uma espécie de cartão de visita. A ideia é mostrar que seu governo é comprometido com a pauta de reformas, em uma tentativa de se contrapor a Lula.
O presidente quer ainda bater na tecla de que a nova versão “paz e amor” de Lula é enganosa. Ele deve lembrar que o petista deixou claro, por exemplo, que não concorda com a flutuação do preços dos combustíveis com base no valor internacional do petróleo.
Nas declarações públicas e privadas para se contrapor a Lula, Bolsonaro deve ainda argumentar que as penúrias atuais da economia brasileira têm como origem os governos petistas, lembrando especialmente a gestão Dilma Rousseff.
A guinada de imagem no Planalto foi apelidada de “Plano Vacina”. A estratégia é que Bolsonaro insista em uma versão de que nunca foi contrário a vacinas e que sempre disse que compraria qualquer imunizante autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A nova posição de Bolsonaro contrasta com seu histórico de declarações questionando vacinas, como quando ele disse que não se imunizaria e levantou dúvidas sobre possíveis efeitos colaterais para a população.
Bolsonaro também chegou a determinar que o ministro Eduardo Pazuello (Saúde) não comprasse as vacinas desenvolvidas pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
Diante da pressão de governadores, a Coronavac, trunfo político do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), acabou adquirida pelo governo federal e hoje é o principal imunizante utilizado no país.
Na quarta-feira, horas depois do discurso de Lula, veio o primeiro sinal do Planalto de que deve ser adotada uma nova postura em relação ao vírus. Bolsonaro participou de uma cerimônia no palácio usando máscara, item que ele questiona abertamente e costuma dispensar em aparições públicas.
Auxiliares do presidente dizem, porém, que o presidente não pretende voltar atrás na defesa do chamado atendimento precoce, que consiste no uso de remédios comprovadamente ineficazes no tratamento da Covid-19.
Desde o início da crise sanitária o mandatário tem defendido o uso da hidroxicloroquina e da ivermectina, mesmo após diversos estudos terem ressaltado que eles não têm efeito para a doença.
Outro pilar do discurso bolsonarista que deve ser preservado são as críticas ao isolamento social e às políticas adotadas por governadores para limitar a circulação de pessoas.
Bolsonaro não só considera que o fechamento de comércios traz danos à economia como vê na oposição a lockdowns uma forma de responsabilizar governadores e prefeitos, muitos dos quais são seus adversários políticos.
Nesta quinta (11), ele investiu novamente contra os governadores e criticou a determinação do Distrito Federal de estabelecer um toque de recolher durante a madrugada na capital.
“Daqui a pouco vamos ter meia hora para sair na rua e nós continuamos ficando quieto”, queixou-se em audiência virtual com micro e pequenos empresários. “Até quando nós podemos aguentar essa irresponsabilidade do lockdown?”.
RELEMBRE OS ATAQUES DE BOLSONARO ÀS VACINAS
(21.out.20)
“NÃO SERÁ COMPRADA… O povo brasileiro NÃO SERÁ COBAIA DE NINGUÉM”, disse Bolsonaro, em redes sociais, ao desautorizar o ministro da Saúde e negar a compra da Coronavac.
Não transmite segurança (21.out.20)
“Da China nós não comparemos, é decisão minha. Eu não acredito que ela [vacina] transmita segurança suficiente para a população pela sua origem”, Bolsonaro, em entrevista à rádio Jovem Pan, em referência à Coronavac.
Testes suspensos (10.nov.20)
“Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la. O presidente [Bolsonaro] disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha”, Bolsonaro, nas redes, quando a Anvisa suspendeu os testes da Coronavac devido à morte de um dos voluntários, que não teve relação com a vacina.
Virar um jacaré (17.dez.20)
“Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina. Eu não vou tomar. Eu já tive o vírus. Já tenho anticorpos. Para que tomar vacina de novo?”, Bolsonaro, em discurso em Porto Seguro, na Bahia
(17.dez.20)
“Se tomar e virar um jacaré é problema seu. Se virar um super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela [Pfizer] não tem nada com isso”, Bolsonaro, no mesmo discurso, ao dizer que a Pfizer, uma das fabricantes mundiais de vacina contra a doença, não se responsabiliza por efeitos colaterais.
Doria ‘desmoralizado’ (15.jan.21)
“Vou tomar tempo dessas pessoas para fazer uma ação contra esse cara de São Paulo que foi desmoralizado pela baixa taxa de sucesso na sua vacina, que ele tanto defendeu”, Bolsonaro, ao ser questionado se processaria Doria por ter sido chamada de facínora. Ele falava sobre a eficácia geral da Coronavac –50,35%, acima, portanto, dos 50% requeridos universalmente.